Exposição Galeria Ana Terra
quarta-feira, 28 de março de 2012
domingo, 18 de março de 2012
FALUAS DO TEJO
FALUAS DO TEJO
Quando do convite da Ana Terra
Galeria de Arte para colaborar na organização dessa mostra vislumbramos duas
importantes datas que não poderiam ser olvidadas.
A primeira, para a qual devemos
entoar loas, está na persistência – em territórios pouco afeitos à cultura –
desta galeria resistir e insistir em se manter como um espaço ativo que abriga
um multifacetado universo, oferecendo possibilidades de deleites vários e
plurais – as peça de antiquariato abrem caminho para o mais novo design de arte
wear, a presença de obras clássicas possibilita diálogos com a produção
contemporânea e a troca entre artistas já consolidados e em formação.
Esse perfil, por ser vário, cria
conversas por vezes estranhas, por vezes mais fluídas, mas na busca pelo equilíbrio
se torna uma constante que a faz se manter sempre ativa neste longo percurso
que completa agora trinta anos como um dos marcos nas artes plásticas
capixabas.
O segundo motivo esta relacionado
com o Ano de Portugal no Brasil e de Brasil em Portugal.
Adiantando-nos aos eventos que por
certo virão, pois essa comemoração terá início formal na data maior do Brasil –
07 de setembro – e se encerrará na data nacional de Portugal – 10 de junho de
2013.
O evento ora proposto certamente
se constituirá numa forma de contribuir com comemorações que se revestem de
grande importância: o momento de se reportar à terra-mãe, de onde herdamos
nossa língua, nossa forma de ser, de amar, sofrer e criar... É hora de rever,
de refletir sobre as trocas entre esses dois países e quem sabe, redesenhar e
reinventar esses laços.
Iniciamos nossa contribuição pelo
que nos é mais caro – a cultura , representada aqui pelas artes plásticas e
literatura.
O título da mostra vem emprestado
do “Madredeus”, grupo português que para além do fado tradicional tem cantado e
encantado o mundo com sua forma particular de cantar seu amor por Portugal.
O termo “falua” se refere à uma
antiga embarcação de boca aberta mas com popa e proa afiladas , com dois
mastros e velas latinas triangulares. Foram usadas inicialmente para recreio
dos reis portugueses do século XVIII, e mais tarde se popularizou,
transportando pessoas e mercadorias.
O Madredeus canta as saudades que
delas ficou, as lembranças de seu delicado balouçar nas marolas do Tejo, e num
exercício de liberdade poética, nos apropriamos dessas ondulações como entidade
feminina, a seduzir em seus passeios pelo rio. Esse elemento feminino como musa
inspiradora real ou abstrata, vai tomar corpo na poesia dos poetas escolhidos
como fio condutor para os trabalhos, Florbela Espanca (1894/1930) e Fernando
Pessoa (1888/1935), considerados dentre os maiores poetas da língua portuguesa,
que num desdobrar de vidas e personalidades criaram em verso e prosa o que foi
vivido/sofrido ou sentido/sofrido.
Essa mostra, em sua maior parte, reflete a
produção advinda da UFES. Na área artística com professores e ex-alunos do
Centro de Artes e na produção literária com a participação do professor Paulo
Roberto Sodré, poeta pesquisador e apaixonado pela Literatura Portuguesa e
Renata Bomfim, poetisa, doutoranda em Literatura Portuguesa
e uma “florbeliana“ assumida e, como a organização do evento do mês de março
nessa galeria, tem sempre como objeto uma exposição dedicada às mulheres, o
texto neste catálogo sobre Florbela Espanca, vem, com a permissão de Fernando,
ampliar a elas nossas homenagens.
Dado o mote, ficou para os
artistas a tarefa prazerosa de mergulhar no universo desses poetas. Como uma
música dolente, realizar um mergulho quase sem volta, pois havia aqui a
necessidade de permitir encharcar-se do fel e da paixão contidos em tantos
versos.
Cada um seduz com o que melhor
sabe fazer, o exercício estava em criar uma amálgama entre nossas vivências e
fazeres com o cantar apaixonado desses poetas. O exercício estava em inventar
caminhos dos quais não temos bem o controle de seu caminhar, nem sabemos ao
certo seu terminar. Como bem disse o poeta “viver não é preciso”, por certo
fazer e viver na arte também não o é...
Attilio Colnago
Professor do Departamento de Artes
Visuais/ CAR/ UFES
“O mundo, amor?..., As nossas bocas juntas!...”:
“O
mundo, amor?..., As nossas bocas juntas!...”:
A epistolografia de Florbela Espanca
“Meu marido é oficial de caçadores, e eu... sou feliz. Bem vê, como não
o havia de ser? Conhece-me, sabe perfeitamente que eu sou sempre feliz, desde
que tenha a quem me dedicar e por quem me sacrificar” (Florbela Espanca)
Florbela
Espanca (1894-1930) veio ao mundo numa das datas mais importantes do
calendário português, 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Imaculada
Conceição, padroeira de Portugal. A poeta que nasceu em Vila Viçosa , região do
Alentejo, terra de Mariana Alcoforado e suas cartas de amor, é considerada, hoje, a voz lírica feminina portuguesa mais
importante do século XX.
Fruto de uma relação
extraconjugal, Florbela e seu irmão, Apeles, foram gerados por Antônia da
Conceição Lobo, moça humilde que trabalhava em casa de família. Como não podia
ter filhos, Mariana do Carmo Inglesa consentiu na relação entre Antônia e João
Maria Espanca, posteriormente, criou os irmãos e foi madrinha de Florbela.
Precoce, aos nove anos de idade,
Florbela escreveu seu primeiro poema, intitulado A vida e morte: “O que
é a vida e a morte/ Aquela infernal inimiga/ A vida é o sorriso/ E a morte da
vida a guarida”. Foi aos vinte e dois anos, em 1916, que a poeta começou a carreira
como escritora, a partir da estruturação do manuscrito Trocando Olhares (1915- 1917). Em
vida, Florbela Espanca publicou dois livros de sonetos: Livro de Mágoas (1919) e Livro
de Sóror Saudade (1923), póstumos vieram a lúmen: Charneca em Flor (1930), Reliquiae
(1931) e Juvenília (recolha de poemas
juvenis, muitos deles parte do manuscrito Trocando
Olhares). Florbela Espanca também possui uma obra ficcional em prosa que
compreende os livros de contos intitulados O
Dominó Preto (1982) e As Máscaras do
Destino (1931).
A
morte, com a sua tentação plena, o suicídio, consagrou a tragédia florbeliana,
assim como consagrou as de Inês de Castro, de Julieta, de Isolda, de Sylvia
Plath, de Grace Kely, e de tantas outras mulheres que, repentinamente,
desapareceram deixando uma aura de mistério no ar: “Deixai entrar a Morte, a
Iluminada”, escreveu Florbela no soneto Deixai
entrar a morte. O suicídio, ritualisticamente realizado no dia em que
completaria 36 anos de idade, não passou despercebido (família católica,
interdição da palavra ‘suicídio’ na imprensa, receio de falatório), e Florbela,
que em vida conheceu o silêncio da mídia, tornou-se, depois de morta, um
fenômeno literário. Esse fato desviou o olhar para da sua obra e muitos
escritores passaram a estudar a sua vida e o seu comportamento, fato que está
sendo superado. Novos olhares têm sido lançados, não apenas sobre a poesia, mas
também, sobre os contos e epistolografia de Florbela Espanca.
Extemporânea, Florbela
carregou o estigma de ser mulher numa sociedade patriarcal e falocêntrica. A
poeta tinha consciência do seu desenquadramento e em uma carta dirigida a amiga
Júlia Alves relatou: “Eu não sou em muitas coisas nada mulher; pouco de feminino tenho em quase
todas as distrações de minha vida. Todas as ninharias pueris em que as mulheres
se comprazem, toda a fina gentileza duns trabalhos em seda e oiro, as rendas,
os bordados, a pintura, tudo isso que eu admiro e adoro em todas as mãos de
mulher, não se dão bem nas minhas apenas talhadas para folhear livros que são,
verdadeiramente, os meus mais queridos amigos e os meus inseparáveis
companheiros. [...] Que desconsolo ser assim, minha Júlia!”.
Florbela Espanca imaginou, por
meio de sua poesia, variadas
subjetividades em diálogo, e por meio dos seus escritos, ela trabalhou variados aspectos do universo
feminino. A poética florbeliana abarca aspectos como o amor, a dor, a desilusão
por buscar e não encontrar o amado, a tristeza e o destino que arrasta os seres
independente de sua vontade. O eu lírico, sedento de infinito, se metamorfoseia
e joga com as formas do mundo, convidando o leitor à experimentação das
emoções. Com uma sedução própria da alteridade a obra de Florbela traz em si o
germe do encontro com o outro: “Procurei-O no seio de toda gente./ Procurei-O
em horas silenciosas!/ [...] E nunca O encontrei!... Prince Charmant”.
Conhecida
como a “poetisa da melancolia e da saudade”, Florbela Espanca é uma persona dramatis que ainda não teve
todas as máscaras reveladas. Recentemente a editora portuguesa Quasi, de
Matosinhos, publicou a correspondência amorosa de Florbela Espanca, cuja
organização, fixação de textos e notas foram assinados pela pesquisadora Maria
Lúcia Dal Farra. A obra Florbela Espanca
Perdidamente reúne uma série de correspondências trocadas entre a poeta e o
seu amante que, posteriormente, tornou-se o segundo marido, Antônio Guimarães. Essa
epistolografia de Florbela Espanca, escrita entre os anos de 1920 e 1925, lança
luz sobre uma zona até então obscura da vida da poeta, revela uma “Florbela
inaugural”, “em estado de amante”, que escreve a partir de uma zona silenciosa
e solitária onde tudo é “sigiloso e dito em sussurro”, como afirmou Dal Farra.
Florbela estava
separada do primeiro marido, Alberto Moutinho, porém, ainda oficialmente casada
com ele, e acabara de publicar o seu primeiro livro, o Livros de Mágoas, quando, num baile de carnaval, em Lisboa, conheceu
Antônio Guimarães. Os seus olhos de pantera pousaram sobre o jovem bem
apessoado, magro, de cabeleira lisa e loira, que trajava uma farda cor de
avelã: “Olhos do meu amor! Infantes loiros/ Que trazem os meus presos,
endoidados!”, cantaria a poeta no soneto Teus
olhos, da obra Charneca em Flor.
Florbela estava
com 25 anos e atravessava por uma fase difícil, experimentava a sensação de
desamparo por estar afastada da família, e se considerava uma “desterrada”. A
personalidade singular da poeta, bem como, o fato de ela ser estudante de Direito
na Universidade de Lisboa, destacava-a dentre as outras mulheres. Exposição
pública que se agravou com a sua estréia no mundo das letras, e deu margem a
variados comentários maliciosos. Segundo Ana de Castro Osório, o atributo de
“literata” era “o mais desagradável que podia ser dito de uma senhora, que era
vista com um livro na mão”. O fantasma da infâmia assombrou a relação entre
Florbela e Antônio e foi um dos motivos da separação do casal.
O romance entre
Florbela Espanca e Antônio Guimarães, que era alferes da Guarda Nacional
Republicana, sofreu com as intempéries políticas. O Portugal Republicano do
inicio do século XX com seus atentados, assassinatos na “Noite Sangrenta” e
crises de autoridade, exigiam a presença constante dos seus Guardas Nacionais,
dentre os quais estava Antônio, esse fato agravou, além do sentimento de
solidão e impotência, a saúde de Florbela.
Embora Florbela ainda
estivesse oficialmente casada, ela se considerava a “noiva” de Antônio, que lhe
acenava com promessas de amor e de um lar, “um ninho”, onde seriam felizes. O
amor vivido sob signo da clandestinidade e da ilegalidade levou os amantes a
buscar estratégias para ficar juntos. Florbela só podia se encontrar com
Antônio na companhia de seu irmão, Apeles, que sempre a defendeu das más
línguas, e por quem a poeta nutria um amor quase maternal. Porém, ocupado, ou não
querendo se comprometer, o jovem não mais acompanhou o casal que, desesperado,
passou a pegar junto o transporte público. A bordo do elétrico, porém sempre
sobressaltados com a possibilidade de encontrar alguém conhecido, trocavam
olhares e pequenas frases. Acerca desses episódios Florbela escreveu: “Então,
Vossa Mercê digna-se mostrar satisfeito do passeio à conchinchina? Eu estou
fartíssima, e nem as extravagantes viagens de Júlio Verne, nem mesmo a da lua
ou a das cinco semanas em balão, me poriam mais estafada e me dariam mais
vontade de criar raízes num qualquer sítio”.
Noutros momentos
Florbela ficava a janela de sua casa e Guimarães ao longe, ficavam se olhando e
se desejando, porém, logo as más línguas fizeram com que Florbela escrevesse
para Antônio um bilhete dizendo: “Quando por aqui passares não pares nunca.
Depois te direi porquê. Passa a pé ou a cavalo, de trem, de automóvel ou de
aeroplano mas vê-me de longe sempre”. Vivendo em casa alheia, Florbela ansiava
legalizar a sua situação com Antônio para que pudessem viver felizes, em uma
casa só deles, ela ansiava um lar. Esse desejo pode ser observado expresso no
poema A nossa casa:
A nossa casa, Amor, a nossa
casa!
Onde está ela, amor, que não
a vejo?
Na minha doida fantasia em
brasa
Constrói-a, num instante, o
meu desejo!
Onde está ela, Amor, a nossa
casa,
O bem que nesse mundo mais
invejo?
O brando ninho aonde o nosso
beijo
Será mais puro e doce que uma
asa?
Sonho... que eu e tu, dois
pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas nos
caminhos
Duma terra de rosas, num
jardim,
Num país de ilusão que nunca
vi...
E que eu moro − tão bom! −
dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de
mim...
Variadas cartas
revelam a importância de ter uma casa para Florbela: “Não sei o que esperas
para alugar casas, dizes que a questão é eu ir, pois eu digo que a questão é
ter lá um buraco por modesto que seja. Palácio ou tenda na praia, o que eu
preciso é casa minha”, noutra carta a poeta diz: “Muito depressa arranja a
nossa casinha seja como for. Na Foz ou no Porto ou em casa do Diabo”.
Em abril de 1920,
o casal passou cerca de dezesseis dias em uma “lua-de-mel clandestina”, que
logo foi interrompida com a convocação de Antônio para o quartel de Lisboa.
Sozinha novamente a poeta passou a abordar uma toalha de mesa: “Acabei agora o
meu eterno bordado, acabei por hoje.... Dá-me já a ideia da célebre Penélope,
feita de dia, desfeita de noite, enquanto o bem amado, ao longe, vagueava pelo
mundo afora. A célebre toalha estafa-me, e bem grande será o prazer de ver o
meu desastrado homem amarrotá-la e enchê-la de chá ou cinza de cigarro”. Este
período foi de grande ansiedade para Florbela, porém, as cartas mostram,
também, uma Florbela irônica e possuidora de um aguçado senso de humor, como
afirmou a poeta, “felizmente, todas as tragédias têm o seu lado cômico”.
Florbela e
Antônio casaram-se no dia 29 de junho de 1921 e seus padrinhos foram Apeles e
Buja, que foi amiga de Florbela durante toda a vida, e que após a morte da
poeta lutou pela reabilitação do seu nome. Florbela economizava o dinheiro
ganho com a venda das galinhas que criava para comprar um colar de pérolas,
porém, pediu-o a Antônio como presente de casamento. Possivelmente, seja este o
colar que vemos sendo exibido pela poeta nas suas fotos mais conhecidas e que
tanto admiramos.
Florbela e Antônio viveram uma
relação de grande cumplicidade sexual: “os nossos mimos, a nossa intimidade, as
carícias são só nossas; no nosso amor não há cansaços, meu pequenino adorado!
Como o meu desequilibrado coração de artista se prendeu a ti”. Nas noites
solitárias, calvário que a poeta subia “devagarinho”, e em dores, nos chegam os
relatos da falta que o amado lhe fazia: “Uma grande noite sem ti! Quantas horas
terá ela, a noite que vem, a noite que desce sobre a terra e dentro de mim?
Tenho saudade das carícias dos teus braços carinhosos que me apertam e que me
embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos,
dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dão vontade de chorar. Tenho
saudades das tuas mãos, tão más as vezes, como ontem à noite... Tenho saudades
da seda amarela tão leve, tão suave, como se o sol andasse sobre o teu cabelo,
a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te
enfiar entre os meus dedos. Tu tens me feito feliz, como eu nunca tivera
esperança de o ser”. Em carta datada de 14 de janeiro de 1921, a poeta se despede do
amado desejando “muitas festas ao pirilau”; já noutra, a poeta chega a perguntar ao
amante se o seu “pirilau” não estaria “cheio de saudades”, e que viesse logo,
pois, haveria “muito licor” a esperá-lo.
O casamento
trouxe para o casal, além da realização sexual, a rotina e uma fase de grandes
dificuldades financeiras. Sempre em busca de autonomia, Florbela criava galinhas
e coelhos. Eis outra faceta da poeta que, no seu Diário de ultimo ano afirmou: “o olhar dum bicho comove-me mais
profundamente que um olhar humano”. Amorosa, Florbela cuidava da criação com
desvelo, especialmente dos “pintainhos” e, em meio aos versos rascunhados, ou
em uma caderneta, anotava a quantidade de ovos postos e quantos estariam por
chocar. Numa carta a poeta mostrou-se muito “escamada” com a morte de sua
galinha que “tão boa era”.
Afastada de
Antônio, que servia à pátria, volta a comparecer nas cartas de Florbela a
nostalgia do lar, do paraíso perdido “O lembra-me de ti, da nossa casinha, da
nossa tão doce intimidade, é como se um lindo raio de sol me iluminasse toda.
Pensar que em alguns dias vou encontrar o meu paraíso perdido é o bastante para
me fazer sorrir”. Em carta datada de 19 de janeiro de 1920 a poeta chama a atenção
de Antônio: “Toma cuidado, meu amor, lembra-te que a tua pátria e que a tua
república sou eu, é a tua Bela!”.
Apenas seis meses
após o casamento, Florbela já pensava em se separar de Antônio. A ascensão
profissional do marido foi o inicio do fim do relacionamento entre ambos. No
inicio de 1923, o manuscrito que Florbela intitulara Claustro das quimeras se transformou no segundo livro publicado pela
poeta, o Livro de Sóror Saudade. Quando
esta obra veio a público, Florbela estava mudada. Quando conheceu Antônio ela
dedicou a ele um exemplar do Livro de
Mágoas com a inscrição:
“Ofereço-te
o meu livro, que é a minh’alma de outrora: cheia de mágoas − ela anda hoje
cheia de quimeras, do sonho com que a encheste, com as ilusões com que a
deslumbraste... Ela é outra, agora! Vai toda nesta página... e nem se lembra
sequer que foi, um dia, aquela que sonhou, em horas de tortura, o pobre e
triste Livro de Mágoas...”
Florbela Espanca
Ano de 1920
O projeto poético Claustro da
quimeras, guardou a apaixonada dedicatória “A Antônio Guimarães”:
“Àquele
que é na vida toda a minha vida, àquele que é na amargurada noite da minh’alma,
a deslumbradora luz que tudo ilumina e aquece, ao meu único amor de verdade,
maior que todos os amores de quimera e ilusão que tão cedo passaram...”.
Bela
Porém, este projeto poético, materializado no Livro de Sóror Saudade, trouxe uma dedicatória diferente, em tom comedido,
e que já não revelava paixão, mas amizade por Antônio. “Ao Tónho” ela escreveu:
O primeiro exemplar de o Livro de Sóror Saudade pertencia-te.
Ofereço-to pois com muito afeto e muito reconhecimento por tudo que te devo de
bom e feliz na minha vida.
Tua amiga, muito
amiga.
Bela
A dedicatória da nova obra já não exaltava o amor por Antônio, mas
revelava agradecimento e amizade por parte de Florbela. A poeta escreveu que se
um dia alguém se julgasse com direito a perguntar a Antônio o que ele fez por
ela, que ele respondesse que fez dela “uma mulher” e da sua vida “um sonho”.
Como Florbela própria disse Antônio Guimarães “conseguiu domar a insubmissa
Miss América, e transformá-la numa burguesinha pacata”. Enquanto esteve
apaixonada por Antônio Guimarães Florbela produziu muitos e belos versos, como
os sonetos Anoitecer, Da minha janela, que diz: “Amor! Teu
coração trago-o no peito.../ Pulsa dentro de mim como esse mar/ Num beijo
eterno, assim, nunca desfeito”. O poema A
vida que, posteriormente, Florbela intitulou Inconstância: “Amar-te a vida inteira eu não podia/ A gente esquece
sempre o bem dum dia/ Que queres, ó meu amor, se é isto a vida!”, e o soneto O nosso mundo, que transcrevo na
íntegra, e que a poeta dedicou ao seu “homem querido”:
Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu olhar eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos…
Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!
A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!
Que
importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor?… As nossas bocas juntas!… (Lisboa, 2-6- 1920)
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor?… As nossas bocas juntas!… (Lisboa, 2-6- 1920)
Em 1921, residindo
com Antônio no quartel da Foz, há um silêncio entre os amantes, já não se comunicam
mais como antes, há um silêncio com relação à gravidez e ao filho que Florbela perdeu
por conta de um aborto hemorrágico. Nessa época, janeiro de 1921, na casa de
seu pai, Florbela compôs o poema Caravelas:
“Eu sempre fui assim este Mar Morto:/ Mar sem marés, sem vagas e sem porto/
onde velas de sonhos se rasgaram!”.
De volta a
Lisboa, como quem cumpre uma sina, Florbela está em casa emprestada. A relação
com Antônio se deteriora a cada dia e, em 1924, a poeta compõe para
Antônio um soneto que será conhecido apenas em 1931, na obra Charneca em Flor, ele intitula-se Supremo enleio e diz:
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!...
Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda! (8-2-1924)
Em abril de 1924, dois meses após Florbela ter escrito este soneto, outra
ironia do destino, Antônio iniciou um processo de divórcio litigioso contra ela,
alegando “abandono de lar”. Antônio que
fora “Tonho, Toninho, Urso pardo, preto”, converteu-se, nas palavras da própria
poeta, em “bicho mau”. Adoentada, possivelmente por outro aborto involuntário,
no dia 3 de dezembro de 1923, Florbela escreve a derradeira carta para Antônio
e nela se despede assinando: “Saudades de tua mulher”. Ainda nesse mês,
Florbela escreverá ao seu irmão dizendo: “[...] eu estava a me transformar na
mais vulgar das mulheres, e por orgulho, e mais ainda por dignidade, olhei para
frente, sem covardias e nem fraquezas, o que aquele homem estava a fazer da
minha vida, e resolvi liquidar tudo simplesmente, sem um remorso, sem mais
pequenas mágoas. Estou a divorciar-me para me casar novamente”.
O
soneto Supremo enleio mostrou-se
profético, pois, quando Antônio Guimarães morreu, em 1981, deixou para a
posteridade um rico acervo de recortes de jornal com tudo o que havia sido
publicado sobre Florbela Espanca, com noticias de antes e de após o seu
falecimento. No famoso baú de Fernando Pessoa foi encontrado um poema que hoje está
depositado no espólio do poeta (ESP. E3/ 66ª-39) na Biblioteca Nacional de
Lisboa. O poema intitulado À memória de
Florbela Espanca diz:
Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gêmea da minha!
Tua alma, assim como a minha,
Rasgando as nuvens pairava
Por cima dos astros,
À procura de mundos novos,
Mais belos, mais perfeitos, mais
felizes.
Criatura estranha, espírito
irrequieto,
Cheio de ansiedade,
Assim como eu criavas mundos
novos,
Lindos como os teus sonhos,
E vivias neles, vivias
sonhando como eu.
Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gêmea da minha!
Já que em vida não tinhas
descanso,
Se existe a paz na sepultura:
A paz seja contigo.
Renata Bomfim
Poeta e pesquisadora UFES/ FAPES/CNPq
(www.letraefel.com)
Como escrevem os artistas?
COMO ESCREVEM OS ARTISTAS?
É
comum se pensar, do ponto de vista literário, que os escritores pintam com palavras, imitando os
artistas plásticos em sua capacidade de explorar a visualidade do mundo. Tal
propósito ganhou relevo em vários momentos da história da literatura,
sobretudo, quando os literatos se inspiraram nos pintores para propor novidades
estéticas: Flaubert a acompanhar Gustave Courbet em sua demolição do Romantismo
expresso em O enterro em Ornans;
Edmond e Jules Goncourt a transpor para a narrativa as técnicas impressionistas
inauguradas por Claude Monet, ou Guillaume Appolinaire a seguir Picasso em sua
“cubificação” da realidade em Les
demoiselles d’Avignon, ou ainda – como observa Márcia Arbex –, Max Ernst a
experimentar colagens dadá em poemas e arte surrealistas.
Mas
e o que escrevem os artistas quando
tocados pela ideia e pela musicalidade verbal alcançada pela métrica, rima,
estrofe e ritmo, libérrimos ou não, dos poemas? Se um substantivo, nas mãos de
um escritor, contornaria numa frase o rosto e a luminosidade de uma figura de
Rafael; se um advérbio arremataria a posição das mãos de uma personagem de
Paula Rego, como delimitariam os artistas a abstração melancólica ou o vago
filosófico ou a imaterialidade de uma afeição, ainda que vazados em paisagens –
nos correlatos objetivos (uma paisagem exterior a significar um estado
psíquico) de que trata T. S. Elliot –, que sugerem as palavras imersas em
poesia? Que cor, enquadramento ou textura eles usariam para invocar adjetivos e
predicados em seus registros?
Essas
são algumas das indagações que emergem da superfície dos desenhos, da
fotografia, dos objetos e das pinturas inspirados na Literatura Portuguesa, e
reunidos em Faluas do Tejo, exposição
organizada por Attilio Colnago para Ana Terra Galeria de Arte, que tem como
norte homenagear o ano de Portugal no Brasil.
Uma
infinidade de opções rondaria, certamente, a escolha de temas, autores e
modalidades de textos para a realização da proposta. Colnago, desenhador de
poemas, selecionou para a mostra não os artistas plásticos, mas dois poetas
portugueses, nascidos no mesmo período, mas com projeção e relevo diferentes:
Florbela Espanca e Fernando Pessoa. Díspares em sua concepção e estilo de
poesia, talvez representem, de certo modo, duas das mais destacadas linhas de
produção poética lusitana: poesia do “comboio de cordas / que se chama coração”
e poesia do pensado fingir
completamente.
O
primeiro efeito que poderia nos ocorrer, descortinado o horizonte de
expectativas que tal propósito enseja é o da ilustração de textos poéticos. Não
seria exato pensar, no entanto, em ilustrações, sob o risco de se esbarrar em
reducionismo ou ingenuidade de leitura. Desde pelo menos os anos medievais –
quando fulguram as iluminuras de toda espécie –, a ilustração é, como propõe o
consenso dos dicionários, uma tentativa de explicar, sintetizar ou mesmo de
decorar a edição de um texto. São inúmeros os exemplos de gravuras,
fotografias, desenhos e pinturas a acompanharem as publicações em geral e, em
particular, as literárias. Como visualizar os trovadores sem os desenhos
informativos dos cancioneiros românicos ou góticos? Como ler Dom Quixote sem virem à lembrança as
linhas precisas e sintetizadoras de Gustave Doré?
Contudo,
não é ilustração o que a mostra realiza. Não se ilustram ali os versos de
Espanca, a poeta dos veios passionais e pantanosos, em que pese serem floridos;
nem os versos de Fernando, o poeta de vários óculos e nomes, em que pese serem
paisagísticos, mesmo aqueles onde só a memória, por um fio, parece respirar.
Não o são, exceto se nos lembrarmos de que uma das acepções do termo ilustração é o de interpretar, como
ocorre nas aquarelas de Mário Brotas para os romances de Almeida Faria ou nos
desenhos de Regina Chulam para os poemas de Maria Teresa Horta. São, especiais,
leituras.
Serão
verbos os gestos de cor? Serão apostos as linhas que delimitam o corpo
dos objetos? Serão adjetivos as
sombras a realçarem o alcance do olhar? A composição do texto pictórico ou
artístico, sua imaginicidade ou iconicidade, talvez dispense esse amálgama de
metáforas a tentarem aproximar a linguagem da poesia e da pintura, velhas irmãs
na clássica tradição de Simônides de Ceos: “a pintura é poesia muda, e a
poesia, pintura que fala”.
Bastaria
pensar que a textualidade da arte –
sabe-se, todo texto implica signos para além dos verbais, na grata lição de
Roland Barthes –, estaria, em sua relação com a literatura e suas figuras de
linguagem, na busca da descrição, da metáfora, da antítese, da caricatura e
tantos outros recursos retóricos que, a despeito de terem sido originalmente
pensados para o texto verbal, servem perfeitamente à arte e sua composição.
Sendo
assim, isto é, sendo a arte texto, cada um dos quadros e objetos expostos em Faluas do Tejo, com o propósito de se
deixar conduzir pelos poemas da Sóror Saudade e do heteronímico Pessoa, poderia
ser lido como resultado da intertextualidade, na medida em que sua produção
ocorre sob a condição de ser um texto em que se imiscui e se transforma um
outro, mesmo sendo de outra índole sígnica. Os versos dos poetas deságuam, por
assim dizer, nos traços dos artistas com o intuito de serem, os poemas, eles
mesmos e, concomitantemente, outros, já que lidos e atualizados pela leitura
plástica que deles é feita.
Ao
procederem dessa maneira, os artistas da mostra parecem realizar, além da
intertextualidade, o inverso do ecfraseamento que os poetas vêm fazendo ao
longo dos anos em relação às artes.
O
termo de origem grega, écfrase (ekphrasis),
significa etimologicamente evidência, descrição. Assim, descrever
minuciosamente uma pessoa ou um objeto implica realizar ecfrasicamente um texto
verbal. Na Retórica, confundida com a descriptio,
a écfrase funciona como figura de linguagem a tornar visível em verso e
parágrafos os elementos ficcionais que envolvem personagens, paisagens e
acontecimentos. Ampliando-se o sentido, a écfrase seria o recurso por meio do
qual o escritor “pintaria” um objeto, real ou fictício, imitando o poder
descritivo e evidenciador próprio da pintura, o visual.
Lino
Machado, em As palavras e as cores:
Guernica (e mais) na caligrafia de Carlos de Oliveira, sintetiza o
conceito, afirmando que,
De saída, existem, pois, duas
acepções para o conceito de ecfrase: uma, de caráter generalizante, abarcadora
de quaisquer escritos descritivos, pormenorizantes, e outra, de feição mais
restrita, limitada aos trabalhos que busquem traduzir, em termos verbais, o que
foi já elaborado pelas artes cujo impacto nos receptores se dê principalmente
por meio do sentido da visão (1999, p. 313).
Alarga
o autor essa ideia tradicional com a reflexão de Vítor Manuel de Aguiar e Silva
sobre o termo: “como modalidade de ecfrase, além do labor da descrição, também
[se considera] o ‘trabalho de recriação,
comentário e exaltação da obra de arte (escultura, pintura, etc.)’” (1999,
p. 315). Decerto, como se trata de um recurso de linguagem verbal, a écfrase
estaria exclusivamente vinculada ao texto, no sentido estrito do termo, antes
de Roland Barthes ampliá-lo. Para as artes plásticas, portanto – e salvo melhor
informação –, inexistiria a écfrase.
Contudo,
com o refinamento da teoria da literatura e da arte, tanto o conceito de
écfrase como o de ilustração pode ser transmutado, adquirindo dimensões mais
complexas, e aproximando e adaptando técnicas e procedimentos tradicionais de
uma área (pintura) para outra (literatura), o que vem sendo ensaiado pelos
críticos desde, por exemplo, as reflexões sobre Barroco e Maneirismo na
literatura a partir dos princípios aplicados nas artes, não obstante essa transferência,
no pensar de Aguiar e Silva, revelar-se “problemática, pois as condições
ontológicas das artes plásticas, artes do espaço, e da literatura, arte do
tempo, divergem profundamente” (2007, p. 449). Entretanto, é sedutora, e muitas
vezes adequada, a aplicação na literatura das cinco categorias antitéticas de
que se vale Heinrich Wölfflin para diferenciar a arte renascentista da barroca.
Para além disso, os estudos interartes têm desenvolvido instigantes
investigações sobre a relação entre as artes, de que é exemplo recente o artigo
de Melânia de Aguiar e Suely Lobo, “Ler
um poema: poesia e pintura em Carlito Azevedo ” (2007), sobre a presença de Paul
Cézanne em seu poema “Banhista”.
Seja
como for, o escritor tradicionalmente pinta
em prosa e poema o que os artistas plásticos realizam, como o romancista
português contemporâneo, Almeida Faria, ao descrever a pintura de Cristóvão de
Morais, O retrato de Dom Sebastião,
de 1571, no romance O conquistador,
de 1990:
A armadura verde-escura com
decorativos frisos de ouro-velho; a gola alta de onde saem as rendas da golilha
subindo pelo pescoço até ao queixo; a mão esquerda pegando no cabo, decorado de
pedras preciosas, da espada que se esconde atrás das pernas; o punhal à
cintura; a mão direita exibindo os anéis do indicador e no dedo mínimo, delgado
como o de um menino; o focinho do canzarrão farejando submissamente o dono e
simbolizando a mansidão dos súbditos [...] (FARIA, 1990, p. 107).
A descrição exata do quadro coloca
o leitor diante do retrato do jovem rei louro e de seu significado. A écfrase
aparece no romance e o efeito é de uma pintura, não mais apenas a do português
quinhentista Morais, mas a de Almeida Faria. Seria longa a explicação sobre o
aspecto teórico concernente à relação entre écfrase e tradução intersemiótica,
levantada por Claus Clüver, e aprofundada por Lino Machado. Para já,
interessa-me, neste comentário, o efeito retórico e intertextual daquele
recurso na mostra da Ana Terra. De todo modo, vale registrar que Clüver
considera écfrase e transposição intersemiótica como sinônimos, diferindo-as
assim da tradução intersemiótica:
Pode-se considerar todas as formas de ekphrasis
como transposições semióticas, ao passo que o conceito de “tradução
intersemiótica” soa melhor se restringido a textos (em qualquer sistema
sígnico) que, em primeiro lugar, oferecem uma reapresentação relativamente
ampla (mesmo que jamais completa) do texto fonte composto num sistema sígnico
diferente, numa forma apropriada, transmitindo certo sentido de estilo e
técnica e incluindo equivalentes de figuras retóricas; e, em segundo lugar, que
acrescentem relativamente poucos elementos, sem paralelo no texto-fonte. Ler
tais textos como traduções significa que serão lidas dentro de um estudo dos
problemas da tradução [...] (CLÜVER, 1997, p. 42).
Feita
a ressalva teórica, e apropriando-me da noção de transposição intersemiótica,
volto aos trabalhos de Faluas do Tejo.
Se é lícito considerar que o escritor pinta
com palavras, não pode sê-lo menos que um artista escreve com plasticidade. Eis, portanto, a natureza da escritura dos artistas da mostra: uma
écfrase invertida, em que os poemas são “evidenciados” e “descritos” por meio
de composições de cor e volume, textura e gestualidade, colagem e gravação.
Atrelados inevitavelmente ao visual, os artistas transpõem,
intersemioticamente, o ritmo e a imagem dos poemas de Espanca e Pessoa, agora
tornados “objetos” de écfrase, para seus trabalhos plásticos.
Desse
modo, em certo sentido, não ilustram
os artistas porque seu propósito não é explicar ou informar o que vai
obliquamente nos poemas. Pretendem criar o que os textos sugerem à sua leitura,
apoderando-se deles, para libertarem-se na possibilidade de lê-los e reescrevê-los – e, então, ilustram
por interpretação – por meio de seus signos de linhas, cores e enquadramentos.
Sabe-se
que o sentido de descrever, para além do de “expor, contar minuciosamente,
seguir percorrendo” (CUNHA, 1994, p. 252), abarca o de traçar, desenhar, riscar
graficamente. Sendo a écfrase uma descrição, esse recurso poderia ser usado,
sim, pelos escritores, mas também pelos artistas, quando almejam tratar do que
percebem visualmente no texto verbal.
Ancorados
num mesmo procedimento de citação e atualização, seja verbal, seja pictórico, o
intertexto e a écfrase fundamentam o que expõem os artistas de Faluas do Tejo. Descrevem o que os
poemas de Florbela e Fernando insinuam em sua operação de pensamentos e
sensações tornados versos.
Em
vão, portanto, Florbela escreveu “Rasga esses versos que eu te fiz,
amor! / Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento”. Os artistas
reunidos por Attilio Colnago e Ana Coeli empreendem a leitura de diversos
poemas seus e de Fernando Pessoa, retirando-os do silêncio: faluas de ritmos a
conduzirem as linhas e as cores dos trabalhos plásticos, no Tejo dos
portugueses, no fluir dos brasileiros.
Referências:
AGUIAR, Melânia Silva de; LOBO, Suely Maria de Paula e
Silva. Ler um poema: poesia e pintura em Carlito Azevedo. In : MARI, Hugo et al. (Org.). Ensaios sobre leitura. Belo
Horizonte: PUC-Minas, 2007. p. 169-182. Disponível em: http://www.ich.pucminas.br/posletras/Producao%20docente/Melania/Carlito%20Azevedo%20texto%20leitura%20-%20Suely%20-%20Melania.pdf. Acesso em: 2 mar. 2012.
ARBEX, Márcia. Intertextualidade
e intericonicidade. In: OLIVEIRA, L. C. V. de; ARBEX, M. (Org.). I
Colóquio de Semiótica da UFMG, Belo Horizonte, 2000. Disponível em:
<http://www.letras.ufmg.br/napg/LIVROCOLOQSEM7.doc>. Acesso em: 02 fev.
2012.
CLÜVER, Claus. Estudos
interartes: conceitos, termos, objetivos. Literatura e sociedade: Revista de Teoria Literária e Literatura
Comparada, São Paulo, n. 2, p. 37-55, 1997.
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da
Língua Portuguesa. 2. ed. rev. e acresc. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1994.
FARIA, Almeida. O
conquistador. Lisboa: Caminho, 1990.
MACHADO, Lino. As
palavras e as coisas: Guernica (e
mais) na caligrafia de Carlos de Oliveira. Vitória: Edufes, 1999.
SILVA, Vítor M. de Aguiar e. Teoria da literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2007. Maneirismo e
Barroco: p. 437-502.
Paulo
Roberto Sodré
Professor do
Departamento de Línguas e Letras/ CCHN/ UFES
Programação
Dia 27 de março - Vernissage
Período da exposição 28 de março a 28 de abril 2012
CONVERSAS LITERÁRIAS:
Dia 03 de abril. 19:00 horas
"O mundo, amor?..., As nossas bocas juntas!...": Epistolografia de Florbela Espanca.
- Renata Bomfim - poeta. Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Letras/UFES
Dia 17 de abril. 19:00 horas
Do que desenham os poetas. - Paulo Roberto Sodré. Poeta. Professor Dr. do Departamento de Línguas e Letras/UFES.
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